sexta-feira, 30 de novembro de 2012




A Psicologia, assim como outras ciências particulares, esteve, por cerca de dois milênios, ligada ao tronco geral da Filosofia. A palavra psicologia surgiu na Grécia Antiga. Ela é composta de duas outras: psyché, que quer dizer “alma”, e logia, que deriva do vocábulo logos, que significa “pensamento racional”. Etimologicamente, portanto, psicologia representa o estudo racional da alma, isto é, uma tentativa de compreender a alma através da razão, do pensamento.

A concepção de alma, contudo, não correspondia a aquela que é comumente conhecida em nosso tempo. Ao longo das épocas, ela foi sendo reformulada através do pensamento de vários filósofos. Os “estudos sobre a alma”, se assim podemos dizer, foram se transformando até que assumissem a forma da Psicologia que conhecemos nos dias de hoje.

A história da psicologia nos leva, em um primeiro momento, à Antiguidade, mais especificamente à Grécia Antiga, onde floresceu uma forma particular de conhecimento da natureza e dos seres humanos, a Filosofia. Como destaca Marilena Chauí:

A Filosofia surgiu quando alguns gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que as tradições lhes dera, começam a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos naturais e as coisas da natureza (...) podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer a si mesma. (2009, p.25)

Assim como dedicaram sua atenção à tentativa de compreender a ordem da natureza (o cosmos), os filósofos gregos também se ocuparam do estudo da alma através da razão, ou seja, da psicologia.

Sócrates
Embora seja possível identificar noções acerca da alma desde a Ilíada de Homero, é a partir de Sócrates que encontramos ideias mais robustas. Para o filósofo grego, a alma, em apertadíssima síntese, pode ser identificada como a essência do ser humano, sua natureza última. Ela é aquilo que o distingue dos demais seres, que é comum a todos os homens; ela é o pensamento, a razão, a consciência. Conhecendo a si mesmo, isto é, conhecendo a sua alma, o homem pode conhecer seus limites, suas possibilidades, sua capacidade para conhecer. Ora, ao saber das possibilidades e limites de seu raciocínio, de seu pensamento, o homem se aproxima da realidade das coisas e dos fatos, pois é capaz de estabelecer formas seguras para que chegue à essência das coisas, mantendo-as a salvo da interferência de suas opiniões, por exemplo.


Platão
Platão, discípulo de Sócrates, como destaca Anna Paula Rodrigues Mariano, divide o homem em corpo e alma. “Para ele, o verdadeiro conhecimento está inserido no mundo das ideias, que faz parte de uma alma já inteligente antes de habitar e se tornar prisioneira do corpo”. A alma, assim, seria como um habitat do verdadeiro conhecimento.

Aristóteles
No pensamento de Aristóteles, introduz-se novamente um novo conceito. A alma, para o filósofo, é o princípio que dá vida à substância do ser, aos corpos físicos. Não pode, portanto, ser vista separadamente do corpo. É como se a alma fosse responsável por animar a matéria, por conferir vida a ela. O filósofo de Estagira chegou a estabelecer distinções entre a percepção, a razão e as sensações, diferenças que seriam abordadas muitos séculos mais tarde, por Husserl e pela Psicologia da forma ou teoria da Gestalt.

Durante a Idade Média, ganhou contornos relevantes o pensamento de Santo Agostinho. Inspirado em Platão, ele também enxergava uma separação entre alma e corpo. Para ele, contudo, a alma não era apenas a sede do pensamento, mas o elemento imaterial que liga o homem a Deus. Sendo a alma a sede do pensamento, a Igreja passou a se preocupar com sua compreensão.

Outro grande pensador da escolástica, São Tomás de Aquino, inspirado pelas ideias de Aristóteles, também elaborou estudos sobre a compreensão da alma. A alma, para o pensador medieval, é a responsável pela espontaneidade da vida. A alma dos animais e vegetais seria puramente sensitiva, como se a alma destes os permitisse apenas a espontaneidade vinculada ao sensível, ao corpo, às suas necessidades. A alma humana, por outro lado, teria natureza diversa, sendo incorporal, insubstancial, e daria ao homem muito mais que a espontaneidade de atos físicos. Ela permitiria ao homem a possibilidade de construir pensamentos.

René Descartes

Tempos depois, com o Renascimento, René Descartes, filósofo, físico e matemático francês, trouxe uma enorme contribuição à formação da Psicologia. Ele aceitou a posição dualista, que considera que mente (ou alma) e corpo são coisas distintas, mas declarou que tinham funções diversas. O corpo teria a função de permitir a sobrevivência, enquanto a mente a de pensar. Descartes propôs ainda que existiria uma interação mútua entre a mente e o corpo. Ora, mas, antes de mais nada, onde estaria a mente? Para o filósofo, no cérebro. A glândula pineal, por sua vez, estrutura localizada entre os hemisférios cerebrais, seria responsável pela conexão entre o dispositivo pensante e dispositivo executivo. Descartes, assim, faz com que as atenções se voltem para a mente, algo que se relaciona mutuamente com o corpo. Fornece, portanto, estímulos para que a anatomia e a fisiologia humanas sejam estudadas, a fim de se descobrir mais sobre essa interação e, consequentemente, sobre a estrutura dos pensamentos. O foco das atenções vai se desvencilhando da noção de alma, até então muito vaga, para a de mente, local onde o pensamento é processado.


Outro ponto do pensamento de Descartes que merece ser destacado é a distinção entre a razão inata e a adquirida. Para ilustrar a diferença, podemos imaginar um computador. Nele, é possível identificar dois “segmentos de software”, se assim podemos dizer. O primeiro grupo de softwares é aquele que fornece instruções básicas de funcionamento, controle e interação dos dispositivos de hardware. Este grupo de softwares representaria a razão inata. Nós, usuários, não os instalamos em nossas máquinas, pois eles já vem com elas. Aliás, a máquina sequer poderia funcionar sem sua presença. O segundo grupo de softwares representaria todos aqueles que instalamos em nossos computadores, como um aplicativo para ver vídeos, por exemplo. Estes softwares representariam a razão adquirida.

John Locke -
considerado
o fundador
do empirismo
britânico.

Antes da morte de Descartes, já havia surgido na Inglaterra o Empirismo, que pretendia discutir o desenvolvimento da mente e o modo como ela adquire o conhecimento. Os empiristas, de modo geral, acreditavam que nossos conhecimentos surgem com a experiência dos sentidos, ou seja, com as sensações. Os objetos ao nosso redor excitam nossos órgãos sensoriais e vemos suas formas, cores, sentimos seus cheiros, suas temperaturas etc. O conhecimento, para os empiristas, seria obtido través da associação dessas sensações, o que formaria a percepção. Essas associações só seriam possíveis graças à repetição e à sucessão de estímulos externos e de nossos hábitos.



O empirismo, assim, com a ideia da experiência sensorial, estimulou o desenvolvimento da Fisiologia e da Neurofisiologia, uma vez que se procurava entender como os sentidos funcionavam. Os avanços na área neurofisiológica, por exemplo, “levaram à formulação de teorias sobre o sistema nervoso central, demonstrando que o pensamento, as percepções e os sentimentos humanos eram produtos desse sistema” (BOCK; FURTADO; TRASSI, 2009, p.). A Psicologia, isto é, o estudo racional da mente, começava, assim, a percorrer os caminhos da Fisiologia, a Neuroanatomia e a Neurofisiologia.


Por volta de 1860, é formulada a Lei de Fechner-Weber. Essa lei, em resumo, pode ser entendida através de uma análise rápida do gráfico abaixo.

Trata-se do gráfico de uma função logarítmica. A resposta a um estímulo (uma sensação) é representada pela letra grega “Ψ” (eixo Y). A intensidade do estímulo (estímulo físico), por sua vez, é representada pela letra “I” (eixo X). Da análise do gráfico, é possível perceber que a resposta a qualquer estímulo é proporcional ao logaritmo da intensidade do estímulo.  A função é: Ψ = k*logI, em que “k” é uma constante. Essa lei pode ser usada, por exemplo, para calcular a resposta a um estímulo sonoro, visual etc.

Esta lei foi de grande importância para a Psicologia, pois descortinou a possibilidade de mensurar um fenômeno psicológico, algo até então considerado impossível. Dessa forma, os fenômenos psicológicos vão adquirindo status de científicos, uma vez que, para a concepção de ciência da época, o que não era mensurável não era passível de estudo científico.

Wilhelm Wundt
Outra contribuição muito importante nesses primórdios da Psicologia científica é a de Wilhelm Wundt (1832-1926), considerado o pai da Psicologia científica. Wundt cria na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório para realizar experimentos na área de psicofisiologia. O médico, filósofo e psicólogo alemão ainda desenvolveu a concepção do paralelismo (estimulações físicas tem uma correspondência na mente) e o método do introspeccionismo (o experimentador tenta desvendar, através de perguntas a alguém treinado para a auto-observação, os caminhos percorridos em seu interior após algum estímulo sensorial).


A Psicologia vai, assim, gradualmente, se desvinculando do tronco geral da Filosofia, adquirindo um objeto próprio de estudo, métodos e teorias próprias.

Embora a Psicologia tenha nascido na Alemanha, como dissemos, é nos Estados Unidos que surgem as primeiras abordagens ou escolas em Psicologia, as quais deram origem às inúmeras teorias que existem atualmente. Cuida-se do Funcionalismo, do Estruturalismo e do Associacionismo. A Psicologia científica se constituiu, assim, em seus primeiros passos, destas três escolas. .

Mais tarde (séc. XX), contudo, essa Psicologia científica foi substituída por novas teorias, como o Behaviorismo, a Gestalt e a Psicanálise..


REFERÊNCIAS:

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo, SP: Ática, 2009.

GAARDER, Jostein. O mundo de sofia: romance da história da filosofia. 1ª ed. São Paulo, SP: Cia das Letras, 2011.

MARIANO, Anna Paula Rodrigues.  Um pouco sobre a história da psicologia. Disponível em <http://www.espacocuidar.com.br/psicologia/artigos/um-pouco-sobre-a-historia-da-psicologia>. Acesso em: 04 de novembro de 2012.


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